sábado, abril 14, 2007

Crônica entre parênteses

Mergulhar profundamente os meandros da literatura é para ricos. Os nascidos em berço de ouro têm ao seu dispor todas a possibilidades e até incentivo para ficarem sentadinhos confortavelmente de fronte a uma mesa munida de diversos exemplares de "n" outros escritores, porque o leitor de literatura no Brasil, é também romancista, crítico ou poeta, no mínimo.
Será que dependemos do intelectualismo elitista para também tomar posição frente a questões sociais ou econômicas? Talvez seja este mesmo o núcleo pensante do país. Quem precisa levar comida para casa todos os dias, não tem tempo para pensar (e assim se configurou nossa sociedade). E quem pode sustentar a vida com seus escritos, são somente aqueles que caíram nas graças de um público de classe média relativamente bem instruído, com sua literatura capitalista (pois é o que vivemos hoje, e é neste contexto que o produto livro é vendido), ou os pensadores e pesquisadores sustentados pelas universidades.
Damos o pão pelo livro.
Nós, pensadores que vivemos mal e ganhamos pouco (por termos escolhido a erudição da poesia) ficamos à mercê de um auxílio federal irrisório com o qual no fim das contas (e haja contas!) nos contentamos porque mergulhamos na arte com prazer.
Numa hora ou toura somos obrigados a dar um jeito nesta vida, jogar na mega sena, tentar participar do Big Brother (ah, mas para isto tem que ter o corpo sarado) ou comprar o Caderno de Concursos públicos. Já que não dá pra contar com patrocínio vitalício, vamos trabalhar pro governo. Faz o concurso, passa, ganha uma sala e um cartão ponto. Pronto para afogar ali o idealismo das palavras, um "seqüestro da vida besta" como disse o amigo Mário.

"(O seqüestro da vida besta) representa a luta entre o poeta que é um ser de ação pouca, muito empregado público, com família, caipirismo e paz, enfim o "bocejo de felicidade", como ele mesmo (Drummond) o descreveu, e as exigências da vida social contemporânea que já vai atingindo o Brasil das capitais, o ser socializado, de ação muita, eficaz para a sociedade, mais público que íntimo, com maior raio de ação que o cumprimento do dever na família e no empreguinho. O poeta adquiriu uma consciência penosa da sua inutilidade pessoal e da inutilidade social e humana da "vida besta".

Ainda se tivermos sorte (pois nessas horas só apelando para o acaso mesmo) talvez sobre um tempinho no escritório, para podermos nos entregar ao prazer solitário da leitura e da escritura.
Tosse crônica!

a citação é de O seqüestro da vida besta escrito em 1931, e hoje recolhido em Aspectos da Literatura Brasileira