quarta-feira, janeiro 21, 2009

Mais um ponto para ser discutido sobre Obama

Quarta-feira, 21 de Janeiro de 2009
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Clóvis Rossi - Folha de São Paulo


A posse de Favreau; agora, ObamaPARIS – Foi bonita a festa de posse de Jon Favreau. Jon quem? Favreau é um talentosíssimo garoto de 27 anos, que se tornou o redator dos discursos do candidato Barack Obama e passou os últimos dois meses escrevendo o texto que o agora presidente dos Estados Unidos pronunciou ontem, certamente o discurso de maior audiência planetária de todos os tempos (atenção, a música sempre foi do candidato, agora presidente; Favreau só põe a letra).Não, não estou criticando, não estou dizendo que Obama é retórica e nada mais. Vivo da palavra faz 45 anos. Logo, tenho por ela carinho absoluto e o mais profundo respeito por quem, como Favreau e Obama, sabe usá-las.Mais: foi a palavra que levou um negro, o primeiro, à Casa Branca, o que é dizer muito.Além disso, segundo perfil de Favreau publicado pelo jornal espanhol "El País" na segunda-feira, o redator de Obama, quando foi convidado a trabalhar com ele, explicou qual era a sua filosofia para escrever discursos: "Um discurso pode alargar o círculo de pessoas a quem importa esta coisa [a política]. É como dizer à pessoa que sofreu: "Te escuto. Mesmo que estejas decepcionado e cínico a respeito da política do passado, porque tens boas razões para sentir-se assim, podemos ir na direção correta. Só te peço uma oportunidade".Bem feitas as contas, foi essa a razão do triunfo de Obama. A maioria dos americanos quis lhe dar, precisava lhe dar a oportunidade de desfazer (ou, ao menos, diminuir) o cinismo com a política, que não é, de resto, característica apenas dos norte-americanos.O discurso de posse foi a mais solene tentativa de refazer a maneira de ver a política, além de uma tremenda reafirmação de orgulho americano. A partir de hoje, sai Favreau, entra Obama, sai a palavra, entra a ação.Entrevista de Favreau no El País publicada em: http://fontanablog.blogspot.com/2009/01/el-escritor-de-los-sueos-de-obama-el.html

O homem por trás dos discursos de Obama
21/janeiro/2009 por Carlos Belmonte




Quando Jon Favreau conheceu Barack Obama em 2004, tinha apenas 23 anos. Atualmente ele é o principal encarregado de redigir os discursos do presidente americano, que ganhou notoriedade justamente por seus dotes de oratória. Co-autor do discurso de posse, Favreau -a quem todos chamam de Favs- conheceu Obama em julho de 2004, durante a convenção do Partido Democrata, em Boston. Foi um momento crucial para o então desconhecido senador de Illinois, cujo discurso - “Não há EUA brancos e EUA negros, mas sim os Estados Unidos da América”- o lançou na cena política nacional. Favreau, que trabalhava na campanha do então candidato presidencial John Kerry, estava atrás do palco enquanto Obama ensaiava seu discurso. Em um determinado momento, interrompeu Obama com a advertência de ele que deveria trocar uma frase, para evitar a repetição de palavras. “Ele ficou me olhando um tanto confuso, como dizendo “quem é este jovem?’”, lembrou Favreau ao “New York Times”. A derrota de Kerry o deixou desempregado, mas bons contatos o recomendaram ao atual chefe. À época, Obama tinha bastante tempo livre. Ele e Favreau se conheceram bem. O redator se impregnou logo da retórica do político, para redigir discursos que refletem sua voz. A julgar pelos resultados, o entrosamento entre eles funciona perfeitamente. Segundo o porta-voz da transição, Favreau, Obama e seu assessor político David Axelrod se reuniram antes do feriado de Ação de Graças (no fim de novembro) para tratar do discurso de posse. No início de dezembro, Favreau concluiu a primeira versão. Após conversas adicionais com Obama, Favreau e sua equipe elaboraram uma nova versão durante as festas de fim de ano. Nos dois últimos finais de semana, o presidente editou e alterou o texto, após receber novos comentários e sugestões de Axelrod e Favreau. Ontem, segundo o “Times”, assessores de Obama disseram ter consultado também o historiador David McCullough, Doris Kearns Goodwin (biógrafa do presidente Lincoln) e Ted Sorensen (redator de discursos do presidente Kennedy). Sobre seus antecessores encarregados de redigir os discursos presidenciais, Favreau confessa que a favorita é Peggy Noonan, que trabalhou para Ronald Reagan. E elogiou também Michael Gerson, que trabalhou para George W. Bush.

Quem tem medo de Obama

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"Todos sabemos que há uma "geografia da comunicação" e sabemos quais são os limites para a manifestação do pensamento crítico e independente dentro do mainstream da grande mídia. Incomoda-me todo esse furor em torno da figura de Barack Obama, porque é cedo para avaliar o que ele fará como 44º presidente dos Estados Unidos. Será que fará algo verdadeiramente substancial? Estou farto de ver o belo sorriso de Obama e perceber como ele sabe manejar o capital simbólico para ter ganhos políticos. Oxalá Obama não seja um mero cínico travestido em "bom moço", em garoto cool fabricado nas entranhas do império para revigorar a imagem do país no cenário internacional. Será ele o homem perfeito para contrabalançar o declínio moral provocado por Bush apenas para abrir um novo caminho para os "interesses" do establishment norte-americano? Será ele o "grande homem" de Taine ou um novo Mefisto? Segue abaixo um texto que traz uma análise controversa sobre Obama. Como toda voz herética, talvez provoque desconforto. Espero que gostem. Afinal, é bom respirar idéias diferentes e não ficar restrito ao poder imensurável do pensamento único."
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Cristiano Pinheiro de Paula Couto
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ELEIÇÕES EUA
Quem tem medo de Obama

Aclamado pela mídia, a futura política de Obama permanece incerta. Ele é negro, mas não é baiano. E muito menos arretado. O novo presidente mostrarará ao mundo o que que a baiana tem?
Paulo Cannabrava Filho (para o Le Monde Diplomatique Brasil)
(12/12/2008)

É impressionante o comportamento da mídia brasileira em relação às eleições nos Estados Unidos. Em nenhum outro país, nem nos EUA, deu-se tanto espaço para o evento. Além do exagero da cobertura, a imprensa trata o tema como espetáculo e criam um clima de expectativa tal como se aguardássemos a chegada de um novo Messias.
Candidato favorito também na Europa, acolhido pela mídia espetáculo como em nenhuma outra eleição presidencial estadunidense. A opinião pública espera que o multiculturalismo e o multilateralismo nas relações regionais e mundiais ganhem força. Pode ser, e isso é positivo.
No Brasil há mais gente torcendo por Obama do que por Lula nas últimas eleições presidenciais. Os articulistas de plantão invocam as origens do novo presidente norte-americano para alentar a esperança de que ele salvará a humanidade da atual crise no cassino financeiro mundial. Na Bahia, como se fosse um baiano arretado, ganhou até letra de reggae.
O título acima não é uma interrogante. Ele define uma reflexão de quem realmente tem medo de Barak Obama.
Era uma vez...
Obama ganha as eleições nos Estados Unidos. Desta vez não haverá fraude em favor dos republicanos. Uma eleição limpa, na medida da hipocrisia do establishment estadunidense. Obama não será assassinado e governará com maioria democrata nas duas casas legislativas. É o candidato do sistema. Até o Financial Time expressou apoio explícito ao candidato. Voz uníssona de todos os grandes conglomerados de mídia relacionados com as megacorporações financeiras, industriais e comunicacionais de caráter global. Ganha a eleição e governa porque assim quer, o complexo militar industrial aliado à indústria criativa, os dois maiores formadores do PIB estadunidense. A atual crise do sistema sequer tomou rumos e não será suplantada sem um clima psicossocial favorável.
Será que essa gente ficou boazinha de uma hora para outra e vai entrar na onda da construção de outro mundo possível? Aquele mundo que sonhamos e pelo qual lutamos nos fóruns alternativos? Será que o agravamento da crise sistêmica do capitalismo globalizado levará a um reordenamento na concepção de desenvolvimento e de governo mundial?
Nas vésperas do 11 de setembro, data em que as torres símbolos em Nova York foram atingidas, o “son of a Bush”, o herdeiro - tanto nas petroleiras como na presidência -, havia feito um dramático discurso solicitando aprovação de um astronômico orçamento para o projeto denominado Guerra nas Estrelas, necessário para mover a economia em crise. Ele dizia algo como: a guerra (nas estrelas) ou a guerra. O congresso negou-lhe aprovação. Dias depois, o desabamento das torres deu-lhe o pretexto para iniciar a sua guerra. Sua, do Dick Scheney, da Halliburton, da Boeing, da GE etc. A guerra da rapina do petróleo iraquiano e das rotas de petróleo e heroína da Ásia Central.
O governo do Bush filho foi um desastre sob todos os pontos de vista. Agravou a crise econômica e moral, com efeitos devastadores na auto-estima da população estadunidense e na imagem dos Estados Unidos, no consciente e inconsciente dos terráqueos, notadamente entre os parceiros da governança mundial. E como se não bastasse, veio a quebra financeira do cassino global. O sistema e a liderança dos EUA não tinham mais como sustentar-se.
A campanha sucessória, a eleição e posse do novo presidente servem para promover a necessária reversão de expectativas na psique coletiva estadunidense e mundial. Obama é o ícone perfeito: jovem, moderno, culto e negro, com ascendentes na África - parece mesmo um baiano arretado.
O candidato republicano é exatamente seu inverso: velho, conservador, retrógrado, inculto e branco. Infeliz até no nome: Cain, o primeiro assassino. Sua vice é uma caricatura do que ele representa. Uma dupla sem qualquer chance de empolgar o eleitorado e menos ainda a opinião pública mundial. Deve haver uma razão para isso.
Obama: bicho papão?
O capitalismo consumista ainda tem muito fôlego, e os EUA não têm como viver fora dele. Uma sociedade mal informada, revestida de fundamentalismo religioso, educada para consumir é facilmente envolvida por uma campanha que enfatiza questões abstratas, à volta ao espírito norte-americano. É necessário afugentar o efeito da crise, cuja conseqüência tem sido o empobrecimento da classe média, eternamente endividada e estressada com o susto da quebradeira das financeiras. A eleição é oportuna para o diversionismo necessário para a reversão das expectativas.
Não há porque deixar de ter medo de Obama. Sua eleição servirá para recuperar o bom desempenho dos EUA. A história nos tem ensinado que os Estados Unidos do pós-guerra têm sido governado pelo complexo aparato de informação e comunicação montado para servir aos interesses dos grandes conglomerados empresariais. Os presidentes, como regra, têm sido meros fantoches. Obama é negro, mas não é baiano. É diplomado por Harvard. É da estirpe de Collin Powell e Condoleezza Rice. Negros assimilados e cooptados, perfeitamente integrados ao establishment.
Com relação à América Latina, essa crença de que Obama é o novo Messias, fará com que a população baixe a guarda facilitando aos operadores do sistema recuperar terreno perdido com a desmoralização provocada por Bush. Esse é o perigo.Até aqui no Brasil já se percebe que uma coisa é conquistar o governo e outra é governar com independência, realizar projetos que alterem os rumos do sistema. Tudo continuará como dantes. Para organizar a transição e a equipe do novo governo foram chamados Warren Buffett, megainvestidor, o mais rico do planeta, Timothy Geithner, homem do Fed, e Rahm Emanuel, agente do Mossad. Lá, como aqui, a esperança será sufocada pela frustração.

sábado, janeiro 10, 2009

Diplomacia e o Jazz


Por meio de um artigo que encontrei na revista de diplomacia, conheci um artista de Jazz, o qual, desde então, causou grande impressão! Uma preciosidade ao nosso alcance no Youtube! :) Achei interessante e busquei o escrito desta diplomata para deixar aqui! O ensaio fala sobre o trabalho dos diplomatas fazendo uma analogia com o jazz! Para lá de pitoresco e muito sincero!
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A Diplomacia e o Piano de Jazz: Between The Devil and The Deep Blue Sea-
Mônica Tambelli
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"Ora, a prudência – que inclui a cautela e a paciência entre seus predicados – não se torna um luxo imprudente em tempos de crise e de exasperação? Não se trata de um conceito nostálgico ou, de qualquer forma, simplório e insuficiente? No século XXI, a palavra de ordem não seria mais bem inteligência, no sentido de agilidade, esperteza, decisão – não vacilar, em vez de pensar para agir? Não é o que pede a New Diplomacy, whatever it may be? Ora, um diplomata não se faz apenas na prudência. O diplomata não é apenas um bom executor de planos fixos e predeterminados. Como já dizia o Dr. Eliezer, “jacaré vacilou virou bolsa. E se bobear, de plástico.” O diplomata precisa ser pianista de jazz e usar o improviso a seu favor. Willie “the lion” Smith ao piano. Echoes of Spring. Ninguém questiona o que é virtude. Todos sabem que aquilo, sim, é excelência. São poucos minutos de suspensão... não exatamente um exercício de cautela e paciência. Muita técnica, sem dúvida, mas com tempero.

Anitra’s Dance. Famosa mazurca composta por Edvard Grieg. Peça clássica. Música erudita. Perfeitamente interpretada pelas maiores orquestras do mundo, com muita técnica. Agora pense na mesma partitura sobre o piano de Donald Lambert. Ele até se segura em uma interpretação by the book nos primeiros 30 ou 40 segundos, mas depois mostra a que veio. A intensidade de sua interpretação traduz o porquê de ele ser conhecido pianista de jazz, e não solista erudito. Ele conjuga a teoria musical com a sabedoria prática. Encontro de mestres? Claude Bolling. Excelente pianista de jazz que gostava de experimentar coisas. Pinchas Zukerman. Violinista da mais alta técnica clássica que topou experimentar umas coisas. Resultado: Slavonic Dance em Suíte para Violino e Piano de Jazz. Interpretação perfeita da teoria musical ao violino combinada ao mais puro improviso inspirado do piano de jazz. No jazz, os dois músicos conjugaram suas visões distintas e ampliaram o leque de possibilidades. Fica claro o bom uso de intuição e adaptabilidade. É sempre mais fecundo o debate aberto às mais variadas idéias...


Diplomacia encerra em si muito da essência do jazz. Este não é música padronizada ou produzida em série. O jazz é música de executantes. Tudo nele está subordinado à individualidade dos músicos, ou deriva de uma situação em que o executante era o senhor. Ser diplomata, muitas vezes, será comparável ao que John Coltrane contava sobre a experiência de tocar com Thelonious Monk: “I always had to be alert with Monk, because if you didn’t keep aware all the time of what was going on you’d suddenly feel as if you’d stepped into an empty elevator shaft”.


A diplomacia é arte com toques de ciência, prática para além da teoria. Reúne conhecimento, criatividade, intuição e coragem na defesa dos interesses do Estado. Trata-se de um saber-fazer, combinação de aparência ambígua entre o intelectual e o material, equilibrada pela phronesis. A atividade tem como atributos não apenas o conhecimento, mas também a produção de resultados adequados à pólis. O diplomata não busca a verdade imutável, mas a construção de possibilidades que garantam a sobrevivência e a prosperidade do Estado.

Como o pianista de jazz, o diplomata observa as circunstâncias e constrói o entendimento até mesmo em situações bastante improváveis, com base em acomodação de interesses e escolhas um tanto incompatíveis. É a arte do possível, sem regras predeterminadas, usando a teoria e a técnica como aliadas, mas não se prendendo a elas apenas. Tocar piano não é só técnica, muito menos em se tratando do piano de jazz. Para se conseguir ser um Thelonious Monk (bom, primeiro seria necessário ter nascido Thelonious Monk... mas aí já é outra história), para se tocar como ele, ou como um Fats Waller, ou um Count Basie, é preciso agir com várias virtudes: conhecimento, sabedoria, coragem, prudência e ousadia.


A diplomacia é arte e, como tal, é inefável; não se presta a ser reduzida em códigos. O piano de jazz tampouco. Como bem explica Hobsbawn, o jazz é o que os músicos individuais fizerem dele, e cada músico tem a sua voz própria. “Têm sido feitas tentativas no sentido de rastrear a evolução e os cruzamentos para maior fertilidade dos estilos instrumentais em formas de diagramas, porém mesmo o mais lúcido dos diagramas parece um mero esquema de fiação para uma instalação elétrica complexa.”1 Não se pode fazer a teoria do piano de jazz; isso não existe porque não existe uma teoria da ação. Não há teoria do piano de jazz como não pode haver teoria da diplomacia: ambos são fazeres, ações. Rex Stewart, trompetista, uma vez disse: “Olha, quando uma banda entra em um estúdio para uma sessão de gravação, os caras não sentam para serem sinceros. Eles tocam apenas. Só isso.” Seria algo como “você faz e pronto”. Ok, mas não adianta só querer sair fazendo, você precisa ter passado muitas horas ali em cima dos pretos e brancos do teclado para poder conhecer o caminho em que está pisando... sem saber o que está fazendo, não sai nem o bife, meu caro.


O piano de jazz, como a diplomacia, trata do efêmero, mutável, precisa de malícia além de técnica e experiência. Ou você realmente acha que Lionel Hampton e Nat King Cole combinam seus teclados em Central Avenue Breakdown só com teoria? As virtudes do pianista e do diplomata: temperar o conhecimento com prudência e coragem. O piano de jazz e a diplomacia são, ambos, exemplos de agir virtuoso. São ofícios exercidos com conhecimento de causa e domínio de meios. Tratam de combinar reflexão e ação. Consistem em fazer com método e conhecimento do porquê das coisas. Art Tatum era um que sabia bem o porquê das coisas e entendia que há um jeito novo para Rosetta a cada dia. Por sinal, você já ouviu Art Tatum tocando Over the Rainbow? A música que em outros pianos ou orquestras chega a ser besta, ganha outra dimensão. Vale a pena.


Na diplomacia e no jazz, a realidade é multifacetada e resiste a ser “engarrafada” em um único conceitoteórico. O real tem a característica de ser fugidio. “It is no disgrace for a man, even a wise man, to learn many things and not to be too rigid”. Como bem disse Guimarães Rosa, até “o vento experimenta / o que irá fazer / com sua liberdade”. É um pouco o que acontece com o fazer diplomático. É um pouco o que acontece quando o pianista senta para tocar jazz. Com bom senso, tanto o diplomata quanto o pianista movem-se dentro do espaço que lhes é dado e experimentam as melhores possibilidades para trabalhar harmoniosamente o momento presente. Da mesma forma que Cosmo de Medice dizia “Bisogna entrare nel male per fare politica”, para tocar jazz ao piano não se pode ter medo de “deturpar” as regras e reagrupar as notas inusitadamente. Ao piano, não se quer o bem, o perfeito. O que se pretende é o interessante, quase como em um exercício de virtù, de mérito, valor, talento, astúcia e energia. Ao piano, existem os limites do teclado, mas com uma enorme gama de possibilidades e, dentro daquelas opções, enfrenta-se a liberdade, sem receita. Com receita, pode-se tocar música clássica. Jazz de verdade envolve conhecimento sensorial; envolve experimentar, brincar, ousar e não fugir dos perigos.

O fazer diplomático, na mesma linha, não pode aprisionar o real com pré-conceitos, deve lidar com as possibilidades. É arte, com seus segredos a serem descobertos. É sabedoria prática, envolvendo o homem como um todo. Em diplomacia, não basta aprender a negociar e sair repetindo o que aprendeu. Deve-se seguir T. S. Eliot e explorar e depois voltar ao ponto de partida, sem jamais parar de explorar. Saber tomar a decisão adequada sobre as coisas tem significado prático, deve-se desenvolver a capacidade de antecipar as conseqüências das escolhas dos agentes políticos. Levar em conta não somente o imediato e o contingente, mas também perceber as conseqüências.


O piano de jazz, como a diplomacia, trata do efêmero, mutável, precisa de malícia além de técnica e experiência. No jazz, o piano não reproduz pura e simplesmente o pensar. O que se disse do estadista: “a fecundidade do inesperado supera grandemente a experiência”, pode-se dizer do pianista de jazz. Não se toca jazz ao piano sem criatividade, adaptabilidade, intuição e faro. Talvez por isso a mãe de Mary Lou Williams não quisesse que filha ficasse apenas nas lições de piano e a levasse a jam sessions para ouvir muitos músicos e diferentes estilos. A Srª. Williams tinha medo de que sua filha ficasse como ela, presa ao papel, incapaz de soltar a criatividade. Mary Lou, de fato, não virou uma concertista, mas “the gigging piano gal from East Liberty” com sua genial interpretação swingada de Margie... muita arte e ciência.


Sabe o Fats Waller? Quem diria... estudou piano clássico e órgão. Quando criança, ele sabia de cor toda a obra de Bach para órgão. Quando cresceu, encantou-se com o stride piano de James P. Johnson e com os improvisos de Willie “the lion” Smith. Hoje Fats é considerado o melhor pianista do estilo stride que já existiu. Não foi para ouvir a perfeição de Bach que Al Capone o mandou seqüestrar... o gângster sabia das coisas, queria mesmo era passar três dias ouvindo Squeeze Me, Numb Fumblin’, You look good to me, Ain’t Misbehavin’ e muito mais no stride piano de Fats. E o pianista tocou. E se divertiu tocando, por três dias, na festa de aniversário do gângster. Agora diz que não é virtuoso?


Se virtuoso é “aquele capaz de compreender e de agir” porque sabe que disso depende a fortuna (ou o resultado), devemos reconhecer que um bom diplomata, assim como um bom pianista de jazz, deve ser um virtuoso. Com swing ou bebop, em qualquer estilo, o diplomata eficiente será um Erroll Garner tocando I’m Confessin’; um Chick Corea em Lisa ou Armando’s Rhumba; um Oscar Peterson em Night and Day ou Satin Doll... e como ação não tem teoria... nem muita sinestesia para explicar o que as mãos de Willie “the lion” Smiths fazem com Morning Air."


1HOBSBAWN, Eric. História Social do Jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 131.


Carolina Shout- Willie The Lion Smith
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