segunda-feira, janeiro 29, 2007

A Bela e a Fera

(Chico Buarque / Edu Lobo)

Ouve a declaração, oh bela
De um sonhador titã
Um que dá nó em paralela
E almoça rolimã
O homem mais forte do planeta
Tórax de Superman
Tórax de Superman
E coração de poeta

Não brilharia a estrela, oh bela
Sem noite por detrás
Tua beleza de gazela
Sob o meu corpo é mais
Uma centelha num graveto
Queima canaviais
Queima canaviais
Quase que eu fiz um soneto

Mais que na lua ou no cometa
Ou na constelação
O sangue impresso na gazeta
Tem mais inspiração
No bucho do analfabeto
Letras de macarrão
Letras de macarrão
Fazem poema concreto

Oh bela, gera a primavera
Aciona o teu condão
Oh bela, faz da besta fera
Um príncipe cristão
Recebe o teu poeta, oh bela
Abre teu coração
Abre teu coração
Ou eu arrombo a janela


gosto dessa poesia, apesar da infeliz rima "rolimã/superman". É do disco "o grande circo místico". Foi gravada por Tim Maia. na minha opinião, um disco imperdível.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

(R) EVOLUTION



Pessoal vou postar a foto da primeira camiseta que eu pintei pra publicar pra posteridade.

Acho que ficou ruim de técnica, porque nunca tinha pintado tecido, mas a idéia me agradou! Ela se chama (R)EVOLUTION I, o tema é a evolução do Australopitecus até o fab4... Ha ha!!!

O dono da preciosidade é o Ju, meu caríssimo mano..

Se virem algo parecido por aí me avisem. Cobrarei direitos autorais, ora bolas!

terça-feira, janeiro 23, 2007

Embriaguem-se

Embriaguem-se

É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.

Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.

E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vega, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso" Com vinho, poesia ou virtude, a escolher".



Charles Baudelaire


sábado, janeiro 20, 2007

Não sei quantas almas tenho - Fernando Pessoa


Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa




[ Singela contribuição :D Abraços! K. Grassi ]

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Alma Errada

Li, gostei, postei.
Poema de Mario Quintana.

Alma Errada

Há coisas que a minha alma, já mortificada não admite:
assistir novelas de TV
ouvir música Pop
um filme apenas de corridas de automóvel
uma corrida de automóvel num filme
um livro de páginas ligadas
porque, sendo bom, a gente abre sofregamente a dedo:
espátulas não há... e quem é que hoje faz questão de virgindades...
E quando minha alma estraçalhada a todo instante pelos telefones
fugir desesperada
me deixará aqui,
ouvindo o que todos ouvem, bebendo o que todos bebem,
comendo o que todos comem.
A estes, a falta de alma não incomoda. (Desconfio até
que minha pobre alma fora destinada ao habitante de outro mundo).
E ligarei o rádio a todo o volume,
gritarei como um possesso nas partidas de futebol,
seguirei, irresistivelmente, o desfilar das grandes paradas do Exército.
E apenas sentirei, uma vez que outra,
a vaga nostalgia de não sei que mundo perdido...

quarta-feira, janeiro 17, 2007

A Classe Operária

Letra de música do Tom Zé. Fabulosa! nem dá pra acreditar que o homem faz música com coisas assim.


Sobe no palco o cantor engajado Tom Zé, que vai defender a classe operária, salvar a classe operária e cantar o que é bom para a classe operária.
Nenhum operário foi consultado, não há nenhum operário no palco, talvez nem mesmo na platéia, mas Tom Zé sabe o que é bom para os operários.
Os operários que se calem, que procurem seu lugar, com sua ignorância, porque Tom Zé e seus amigos estão falando do dia que virá e na felicidade dos operários.
Se continuarem assim, todos os operários vão ser demitidos, talvez até presos, porque ficam atrapalhando Tom Zé e o seu público, que estão cuidando do paraíso da classe operária.

Distante e bondoso, Deus cuida de suas ovelhas, mesmo que elas não entendam seus desígnios.
E assim, depois de determinar qual é a política conveniente para a classe operária, Tom Zé e o seu público se sentem reconfortados e felizes e com o sentimento de culpa aliviado.



Que tal?

Beijos, abraços, e paz pra vocês!

Tradução de canções para português!

Estava pensando sobre as versões que as bandas brasileiras fazem de clássicos do rock/blues/folk.

Pessoamente, não costumo gostar das traduções das letras, porque ficam forçadas, antinaturais, o que acaba comprometendo a versão. É difícil conciliara métrica, a musicalidade, o sentido original, a profundidade e o clima da música. Acho que, muitas vezes, fazer uma boa versão pode dar mais trabalho que compor uma canção nova.

Algumas que gosto por combinarem bem melodia e ritmo e ao mesmo tempo por terem valor individual (opinião pessoal):

"Astronauta de Mármore" do Nenhum de nós para "Starman" do Bowie (apesar da frase "e ver ele e voltar", que é um atentado proposital)

"Tanto" do Skank para "I want you" do Bob Dylan.

Uma que acho horrível é "Você ainda pode sonhar" do Raul Seixas.. Eu adoro Raul, todo mundo sabe, mas acho que ele assassinou "Lucy in the sky with diamonds".

Aliás, citar "desastres" é fácil:

"Solange" do Léo Jaime pra "So lonely" do Police
"De leve" da Rita Lee e do Gilberto Gil pra "Get back" dos Beatles

Na jovem guarda tem coisas horríveis também, geralmente ficava brega... Mas sempre tem excessões

"Lá vem o sol" pra "here comes the sun", com Lulu Santos traduzindo Beatles acho que ficou legal embora a tarefa tenha sido fácil... E a frase "sol sol sol temporão" ficou um tanto bizarra.

"O Passageiro" do Capital inicial pra "the passenger" do Iggy Pop não chega a ser ruim, mas fica bem aquém da original


Enfim Alguém gostaria de citar outras ou comentar essas? :)
ABRAÇOS

domingo, janeiro 14, 2007

Blowin' In The Wind

buenas gurizada, meu primeiro post aqui, então achei interessante resgatar uma música de 1963, se não me engano, de um dos melhores compositores da história, Bob Dylan.
espero que vocês gostem e ah, já postei ela traduzida, acho q da mais impacto da mensagem que ela quer passar...



Soprando no Vento (Blowin' In The Wind) - Bob Dylan


Quantas estradas precisará um homem andar
Antes que possam chamá-lo de um homem?
Sim e quantos mares precisará uma pomba branca sobrevoar
Antes que ela possa dormir na areia?
Sim e quantas vezes precisará balas de canhão voar
Até serem para sempre abandonadas?
A resposta meu amigo, está soprando no vento
A resposta está soprando no vento

Quantas vezes precisará um homem olhar para cima
Até poder ver o céu?
Sim e quantos ouvidos precisará um homem ter
Até que ele possa ouvir o povo chorar?
Sim e quantas mortes custará até que ele saiba
Que gente demais já morreu?
A resposta meu amigo está soprando no vento
A resposta está soprando no vento

Quantos anos pode existir uma montanha
Antes que ela seja lavada pelo mar?
Sim e quantos anos podem algumas pessoas existir
Até que sejam permitidas a serem livres?
Sim e quantas vezes pode um homem virar sua cabeça
E fingir que ele simplesmente não ver?
A resposta meu amigo está soprando no vento
A resposta está soprando no vento


abraços!

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Pergunte ao pó

Trecho de 'Pergunte ao pó' que me levou a ler o livro.
O autor é John Fante. A algum tempo li um texto de Ginsberg e lembrei de Fante.
Mas acho que se alguém influenciou alguem foi Fante, que é anterior a Ginsberg.


"Um tira não vai dete-lo por vadiagem em Los Angeles se você vestir uma camisa pólo elegante e um par de óculos esccuros. Mas se tem pó nos sapatos e o suéter que usa for grosso como os suéters usados nas terras nevadas, ele vai agarra-lo. Portanto, rapazes, arranjem uma camisa pólo e um par de óculos escuros e sapatos brancos, se puderem. Adotem um figurino universitário. Isto os levará por toda parte. Depois de um tempo, depois de grandes doses do Times e do Examiner, vocês também irão fazer algazarra no sul ensolarado. Vão comer hamburgueres, ano após ano, e viver em apartamentos e hotéis empoeirados, infestados de vermes, mas toda manhã vão ver o poderoso sol, o eterno azul do céu, e as ruas estarão cheias de belas mulheres que vocês nunca possuirão e as noites quentes e semitropicais recenderão a romances que vocês nunca vão viver, mas ainda assim estarão no paraíso, rapazes, na terra do sol."

Flores Horizontais

Flores Horizontais,
flores da vida
flores brancas de papel,
da vida rubra de bordel,
flores da vida
afogadas nas janelas do luar
carbonizadas de remédios, tapas, pontapés,
escuras flores puras, putas, suicidas, sentimentais.
Flores horizontais.
Que rezais?

Com Deus me deito.
Com Deus me levanto


(Oswald de Andrade / Zé Miguel Wisnik)




(Sugiro que ouçam isso na voz de Elza Soares. é de cortar o coração, mas é lindo de doer.


Beijos,

Lara

ps. Clóvis, você roubou o que seria minha primeira contribuição ao blog. por isso, mando esta, que também é especial)

Jorge de Capadócia

Jorge sentou praca na cavalaria, e eu estou feliz porque eu tambem sou da sua companhia.
Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge, para que meus inimigos tenham pés, e nao me alcancem. Para que meus inimigos tenham mãos, e não me peguem, não me toquem. Para que meus inimigos tenham olhos, e não me vejam, e nem mesmo um pensamento eles possam ter para me fazerem mal.

Armas de fogo, meu corpo não alcancarão. Facas, lanças se quebrem, sem o meu corpo tocar;
cordas, correntes se arrebentem, sem o meu corpo amarrar; pois eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge.

Jorge é da Capadócia, viva Jorge.

Perseverança, ganhou do sórdido fingimento; e disso tudo nasceu o amor.



Belíssima letra do Jorge Ben (na época que ainda não era BenJor). Gosto muito dela, tem um conteúdo forte, e uma forma interessante, que lembra uma oração. Espero que gostem! Beijos, abraços e paz pra vocês.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Dica para postagens!

Olá amigos

Para quem quer criar postagens novas e ainda não sabe como:

1) Clicar no logo "I Power Blog", à esquerda, abaixo de "Archives".
2) Em "blogger antigo", fazer login!
3) Clicar na cruzinha verde para criar novo post
4) Digitar ou colar o texto, Anexar foto/link/etc se for o caso.
5) Ver se ficou bom em "Preview", à direita da caixinha
6) Publicar postagem!

Abraços

Psicodália de Carnaval


Para quem pensa como a Elis, que carnaval era aquilo que acontecia até os anos 50, e que sempre procura um motivo pra "fugir" no feriado de carnaval...

"Psicodália de carnaval"

São quatro dias, de 17 a 20 de fevereiro, em São Martinho/SC (Serra do Tabuleiro).
“Um lugar alucinante de muita natureza e musica psicodélicas (...), simplesmente lindo, com trilhas e cachoeiras”

Programação: shows, oficinas de Arte, meio Ambiente, teatro e equipes de recreação, malabares, etc.

BANDAS CONFIRMADAS: SERGIO DIAS (dos mutantes), Casa de Orates, O Sebbo, Sopa, Kaigang, Seres Intelegíveis vindos do Hiperurano, Gato Peto, Goya, Os Depira
Plá, Variantes, Sopro Difuso e mais 11 bandas selecionadas...

INGRESSO (pros 4 dias): até 26/01/2007 - R$ 55; até 17/02/2007 - R$ 65

EXCURSÕES: casadeorates@gmail.com

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Opinião sobre as moscas / Parte II

Pessoalmente, considero que falar abertamente da mediocridade é uma forma de estar acima dela, de envergonhá-la. Sinto como uma honesta demonstração de energia, de vitalidade rir dos próprios defeitos. Também pode ser um sinal de saúde, apesar de tudo, ter consciência de que damos importância demais às aparências, ao status social, aos bens de consumo e às inutilidades ruidosas do nosso dia-a-dia frente ao amor, à amizade, à sensibilidade, à aventura e a tudo que é autenticamente humano.

Sinal de alegria, porque faz lembrar que as coisas não precisam ser como são. Que, independente de, como dizem, o mundo ser "errado", cheio de infortúnios, cheio de “injustiças”, eu posso transformar o meu ambiente, meu pequeno mundo, em como eu gostaria que ele fosse (Nothing is gonna change my Word). Justamente pelo fato de que minhas concepções são diferentes da média é que elas possuem mais valor. E minhas atitudes têm valor quando prestam contas às minhas mais verdadeiras concepções, não às concepções da média.

Por isso é tão importante não apenas viver intensamente, mas pensar um pouco no que significa viver intensamente... E sentir que não apenas se sobrevive, mas que se vive de fato. E viver momentos intensos. Intensamente tranqüilos, intensamente brandos, intensamente agitados, alegres ou indignados como um bom rock, intensamente sensuais, dolorosos ou deliciosos como um bom blues. Compartilhemos opiniões, situações, vivências. A regra é não fazer da vida uma regra, mas uma descoberta, o pasmo essencial de uma criança frente a cada novo e maravilhoso mundo.

Opinião sobre as moscas / Parte I

Estamos por aí, como moscas. Encontramo-nos muitas vezes aos pares, aos quartetos, avulsamente. E nos encontramos tantas vezes aos bandos, mas no piloto automático, esbarrando-se, como nos mercados públicos e shoppings da vida. Alienadamente. Penso em como é marcante quando pessoas se reúnem em autêntica sintonia, expressando socialmente suas individualidades! Pena que isso ocorra tão excepcionalmente e, no mais das vezes, por acaso. Aleatoriamente. Penso que existe pouco espaço para coisas como saraus. Não que o espaço não exista, mas tudo tende a cair na banalidade do cotidiano. Vivemos para produzir-consumir, produzir-consumir, “em função do labor”, diria Hanna Arendt. Nossas vidas tendem a diluir-se nesta rotina mórbida, lúgubre.

Somos individualistas demais, no sentido pejorativo, mesmo quando estamos aos bandos. Cercamo-nos de muros e grades, mergulhamos num estado de espírito opressor e superficial. Não todos, não o tempo todo (que bom), mas a maioria quase sempre. Fazemos piadas, rimos à beça de bobagens, vamos a festas e fugimos momentaneamente da monotonia. Pensamos e concluímos que não há motivos para não estarmos felizes. Temos emprego, trabalho, amigos, fazemos festa no sábado, as coisas estão encaminhadas. Fica, porém, aquela angústia de fundo. Algo está errado... E a aventura da vida? É só isso? Não poderia ser mais, muito mais? Então sofremos sem saber cosncientemente porque, ou então nos repreendemos intimamente por tudo que poderíamos ter sido, por tudo que poderíamos ter feito, etc. Não sofremos porque coisas ruins nos acontecem, mas porque é tudo muito... normal.

Questionam ainda o porquê de coisas como "depressão", doença extremamente recente, que agora atinge até os mais jovens, aqueles de quem, por definição, poder-se-ia esperar um pouco sangue quente! Mas nunca antes fomos tantos nas cidades, nunca antes andamos tanto em bandos e nunca antes fomos tão sozinhos. Tão autômatos, tão iguais. E como somos apáticos! Santo sangue de barata, Batman! Onde estão as individualidades? Ó amigo, o que tens de verdadeiro, de cristalino, de especial, de único? Somos medrosos, medrosos demais. Talvez esse comentário possa ser entendido como pessimista. Entendo que assim se pense. Não é, porém, a intenção, muito pelo contrário...

Continua no próximo capítulo

terça-feira, janeiro 02, 2007

D E U S

Para fechar essa série de Fernando Pessoa!

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O Guardador de Rebanhos
Parte V

Há metafísica bastante em não pensar em nada

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma

E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

Alberto Caeiro, 1911