Pessoas... poesia de tanta sensibilidade, leveza e senso de totalidade como esta, sei não ein! Então vamos curtir...
EXTRAVIO
Onde começo, onde acabo,
se o que está fora está dentro
como num círculo cuja
periferia é o centro?
Estou disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali
partes de mim: risos, vértebras.
Estou desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade
e em cada esquina um menino,
que sou eu mesmo, a chamar-me.
Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigo
que já não ouvem nem falam.
Estou disperso nos vivos,
em seu corpo, em seu olfato,
onde durmo feito aroma
ou voz que também nao fala.
Ah, ser somente o presente:
esta manhã, esta sala.
Ferreira Gullar
Muitas Vozes, 1999