Notícia antiga - 26/01/2006
A empresa se conformou com a supremacia da marca rival. E construiu uma estratégia de negócios vencedora
Por Silvana Mautone
Fonte: Portal Exame
http://portalexame.abril.com.br/
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A Coca-Cola inicia 2006 com as seqüelas de um daqueles golpes que ferem fundo o ego dos executivos e o bolso dos acionistas. Dona da marca mais valiosa e do refrigerante mais consumido no planeta, a companhia assistiu recentemente sua arqui-rival, a Pepsi, superá-la em valor na Bolsa de Nova York, por uma diferença de 2 bilhões de dólares -- um fato sem precedentes na ruidosa guerra de mercado que as duas empresas travam mundo afora. Apenas uma década atrás, a Coca-Cola valia mais que o dobro da Pepsi. A notícia só não chocou mais o quartel-general da Coca, em Atlanta, porque o golpe já vinha sendo anunciado. Basta verificar o que ocorreu com o desempenho das ações das duas companhias nos últimos seis anos: enquanto o preço da Pepsi subia, o da Coca deslizava. "Estamos fazendo as correções necessárias para retomar o crescimento e acelerar a criação de valor para nossos acionistas", prometera o irlandês Neville Isdell, presidente mundial da Coca-Cola, no início do ano passado, em resposta ao enfraquecimento de seus papéis, que, em 2004, haviam sido desvalorizados em 16%, ante o crescimento de 13% das ações da rival. Apesar da forte dimensão simbólica, a atual hegemonia da Pepsi em Wall Street -- avaliada em cerca de 98 bilhões de dólares -- extrapola a guerra das colas.
Não se trata da supremacia de uma marca sobre a outra, mas do embate de duas estratégias de negócios distintas. A Coca-Cola é líder imbatível em seu segmento. A empresa colhe 80% de seu faturamento mundial com as vendas de suas marcas de refrigerantes. Já a Pepsico, que surgiu em meados da década de 60 da fusão da Pepsi com a fabricante de salgadinhos Frito Lay, sempre apostou na diversificação. A participação dos refrigerantes na receita da companhia mal ultrapassa os 20%. Os analistas são unânimes ao afirmar ser esse o fator determinante da valorização do grupo. "A diversificação representa hoje uma tremenda vantagem para a Pepsi", disse a EXAME John Band, analista sênior da consultoria britânica Datamonitor. Desde o início da década o consumo de sucos, chás e águas minerais avança impulsivamente e já responde por 52% das vendas mundiais de bebidas não alcoólicas.
Pressionados pelas campanhas contra a obesidade e a favor de um estilo saudável de vida, os refrigerantes tendem a perder mercado. Esse cenário produz mais impacto negativo na Coca do que na Pepsi. "A Pepsi reconheceu muito antes da concorrente que o consumo de refrigerantes emborcava e que precisava centrar seus esforços em outras bebidas, assim como em alimentos", afirma Caroline Levy, analista de bebidas do banco de investimentos UBS. É nesses segmentos promissores que a Pepsico faz a Coca comer poeira, por deter marcas globais líderes, como os sucos Tropicana, os chás Lipton -- uma parceria com a Unilever -- e o isotônico Gatorade. A Pepsi também é dona da marca de água mineral líder no mercado americano, a Aquafina, lançada em 1994. A Coca só lançou a sua, a Dasani, cinco anos depois da concorrente. Uma nota de ironia é que na prateleira de bebidas esportivas a Coca até saiu na frente com seu Powerade, lançado em 1990. O All Sport, da Pepsi, só desembarcou quatro anos depois no mercado.
Em novembro de 2000, parecia certo que a Coca-Cola compraria a Quaker, que além de cereais tinha no seu portfólio o Gatorade, líder absoluto que detém 80% das vendas de isotônicos. Em seu livro The Real Thing, a jornalista americana Constance Hays relata que o champanhe já estava gelando no balde quando, no último momento, o acordo de mais de 14 bilhões de dólares foi por água abaixo. Uma testemunha das negociações revelou que o responsável pelo naufrágio da aquisição foi o investidor Warren Buffett, maior acionista individual da Coca-Cola. Foi ele quem convenceu outros grandes acionistas na reunião do conselho que, do jeito que estava sendo fechada a negociação, eles perderiam 10% do valor de suas ações. Resultado: a intenção da Coca em comprar a Quaker, que já havia sido anunciada ao mercado, resultou em fiasco. Buffett matou o negócio e, se sua intenção era proteger suas ações, produziu efeito oposto. Com o anúncio do naufrágio nas negociações, os papéis da Coca caíram 13%.
A Pepsi não perdeu tempo. Em dezembro, comprou a Quaker -- e o Gatorade -- por 13,9 bilhões de dólares. Bem antes disso, a empresa havia enveredado para o ramo do fast food. No final dos anos 70, engolira a Pizza Hut, seguida pela Taco Bell e, tempos depois, pela KFC. Em 1997, consolidou as três redes em uma única empresa, a Tricon, rebatizada depois de YUM e atualmente cotada separadamente na Bolsa de Valores de Nova York. "A diversificação da Pepsi não significou uma volta ao passado", afirma o consultor José Carlos Aguilera, da Galeazzi & Associados, ao se referir a estratégias desastrosas como a posta em prática pela alemã Mercedes-Benz nos anos 80, quando passou a produzir, além de automóveis, jatos e trens.
A Pepsi concentrou seus negócios em alimentos e bebidas. São produtos que proporcionam grande sinergia na distribuição. "É o mesmo público-alvo, que faz suas compras nos mesmos pontos-de-venda", diz Aguilera. O que moveu todo esse processo de diversificação foi provavelmente a constatação de que seria difícil superar a Coca-Cola, um ícone global avaliado em 67,5 bilhões de dólares, valor mais de cinco vezes superior ao da Pepsi na mais recente lista instituída pela consultoria britânica Interbrand. A Coca-Cola, de certa forma, se tornou uma espécie de refém da marca mais valiosa do mundo e centrou fogo nos refrigerantes. É sua grande força e sua grande fragilidade. "Toda empresa que depende tanto de seu principal produto está sujeita a cometer esse erro", diz Giovanni Fiorentino, vice-presidente da consultoria Bain & Company. Diante disso, turbinar o ritmo de crescimento da companhia tornou-se agora crucial para o CEO Isdell.
Correndo atrás do prejuízo, a Coca busca marcas fortes regionais nos segmentos cujas vendas mais crescem. Um exemplo é a compra, no Brasil, da Sucos Mais, em 2005. Mas não será fácil para Isdell. O ano mal começou e ele teve de engolir em seco mais uma notícia ruim. No dia 12 de janeiro, um relatório do Goldman Sachs rebaixou a classificação da empresa de "acima da média" para "estável". A justificativa do banco de investimentos: ao contrário do que acreditava antes, 2006 não deverá ser um ano de virada para a Coca-Cola.
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