sexta-feira, novembro 14, 2008

Doutor Brother





Por Rafael Berthold,
advogado (OAB-RS nº 62.120)

Estavam todos a postos quando o advogado da autora deu início aos debates orais. E poucas vezes se viu uma exposição com tamanha eloqüência. É impossível transcrever a íntegra do discurso, mas a partir das frases finais se pode ter uma idéia da beleza da oratória empregada pelo experiente Dr. Platão Socrático, em plena Vara de Família:

Disse o advogado que "o agir heteropoiético ostentado pelo varão, ontologicamente considerado, a obumbrar a axiologia deontológica das núpcias, ignominiando e escarnecendo da varoa, o fez trilhar o descaminho que inexoravelmente o trouxe a deslugares".

Fez uma pausa e, olhando para a estenotipista, prosseguiu na ladainha, ditando em nome da autora, sua cliente:

- Casmurro arauto no lar, é indigno da vetusta, baluarte aclamada e conclamada pela comunidade e que nada mais fazia que recender e dimanar doçura e caridade por onde passava, exortando nada além de virtudes aos seus, mas que fracassara, obviamente, em relação ao adúltero, este, sim, culpado do divórcio e com justiça defenestrado. Nada mais, Excelência.

O magistrado fitou o advogado do réu, um menino que trajava terno, mas calçava tênis, cabelos tingidos de loiro - pela aparência não poderia ter mais que 20 anos de idade - certamente recém formado.

Em seguida, o juiz asseverou de maneira que parecia ser "tendenciosa":

– Vejamos o que tem a dizer o advogado do “adúltero”...

O Doutor Brother, por sua vez, também cuidou para que sua manifestação fosse marcada pela utilização de termos extravagantes. Surfista acostumado a enfrentar ambientes radicalmente hostis, iniciou com confiança:

– Data venia, o coroa meu cliente fez toda a mão pra mina: vivia trampando e, tipo, fazendo as ´parada´. Deu um carango e uma baia pra ela. O cara era bala, mas a mina era perva, tipo, muito chave, saca? Curtia umas ´parada´ sinistra, e ainda ficava tirando o coroa. Tipo, não tava rolando, tá ligado? Daí o cara deu a real pra mina que não curtiu. Daí fez toda a mão, saiu da baia, tipo, na parceria, e pegou uma mina show e a outra ficou de cara, botou o cara no pau e tamo aqui, agora. Tipo, era isso... Falou.

O juiz estava vermelho de raiva. Nunca sua sala de audiências havia sido tão insultada por termos tão inadequados. Mas a prova estava a favor do cliente do Dr. Brother e a isso somava-se o fato de que, sinceramente, o magistrado não entendera uma palavra do "belo" discurso do Dr. Platão Socrático.

Assim sendo, sentenciou em audiência em favor do réu, mas, para não desmerecer o venerável empenho do procurador da vencida, derramou-se em elogios à notável manifestação do advogado erudito, ao que este, inconformado e sempre perspicaz, agradeceu da forma que lhe pareceu mais adequada:

– Pode crer, mano!

fonte: http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?idnoticia=13447