sábado, janeiro 10, 2009

Diplomacia e o Jazz


Por meio de um artigo que encontrei na revista de diplomacia, conheci um artista de Jazz, o qual, desde então, causou grande impressão! Uma preciosidade ao nosso alcance no Youtube! :) Achei interessante e busquei o escrito desta diplomata para deixar aqui! O ensaio fala sobre o trabalho dos diplomatas fazendo uma analogia com o jazz! Para lá de pitoresco e muito sincero!
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A Diplomacia e o Piano de Jazz: Between The Devil and The Deep Blue Sea-
Mônica Tambelli
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"Ora, a prudência – que inclui a cautela e a paciência entre seus predicados – não se torna um luxo imprudente em tempos de crise e de exasperação? Não se trata de um conceito nostálgico ou, de qualquer forma, simplório e insuficiente? No século XXI, a palavra de ordem não seria mais bem inteligência, no sentido de agilidade, esperteza, decisão – não vacilar, em vez de pensar para agir? Não é o que pede a New Diplomacy, whatever it may be? Ora, um diplomata não se faz apenas na prudência. O diplomata não é apenas um bom executor de planos fixos e predeterminados. Como já dizia o Dr. Eliezer, “jacaré vacilou virou bolsa. E se bobear, de plástico.” O diplomata precisa ser pianista de jazz e usar o improviso a seu favor. Willie “the lion” Smith ao piano. Echoes of Spring. Ninguém questiona o que é virtude. Todos sabem que aquilo, sim, é excelência. São poucos minutos de suspensão... não exatamente um exercício de cautela e paciência. Muita técnica, sem dúvida, mas com tempero.

Anitra’s Dance. Famosa mazurca composta por Edvard Grieg. Peça clássica. Música erudita. Perfeitamente interpretada pelas maiores orquestras do mundo, com muita técnica. Agora pense na mesma partitura sobre o piano de Donald Lambert. Ele até se segura em uma interpretação by the book nos primeiros 30 ou 40 segundos, mas depois mostra a que veio. A intensidade de sua interpretação traduz o porquê de ele ser conhecido pianista de jazz, e não solista erudito. Ele conjuga a teoria musical com a sabedoria prática. Encontro de mestres? Claude Bolling. Excelente pianista de jazz que gostava de experimentar coisas. Pinchas Zukerman. Violinista da mais alta técnica clássica que topou experimentar umas coisas. Resultado: Slavonic Dance em Suíte para Violino e Piano de Jazz. Interpretação perfeita da teoria musical ao violino combinada ao mais puro improviso inspirado do piano de jazz. No jazz, os dois músicos conjugaram suas visões distintas e ampliaram o leque de possibilidades. Fica claro o bom uso de intuição e adaptabilidade. É sempre mais fecundo o debate aberto às mais variadas idéias...


Diplomacia encerra em si muito da essência do jazz. Este não é música padronizada ou produzida em série. O jazz é música de executantes. Tudo nele está subordinado à individualidade dos músicos, ou deriva de uma situação em que o executante era o senhor. Ser diplomata, muitas vezes, será comparável ao que John Coltrane contava sobre a experiência de tocar com Thelonious Monk: “I always had to be alert with Monk, because if you didn’t keep aware all the time of what was going on you’d suddenly feel as if you’d stepped into an empty elevator shaft”.


A diplomacia é arte com toques de ciência, prática para além da teoria. Reúne conhecimento, criatividade, intuição e coragem na defesa dos interesses do Estado. Trata-se de um saber-fazer, combinação de aparência ambígua entre o intelectual e o material, equilibrada pela phronesis. A atividade tem como atributos não apenas o conhecimento, mas também a produção de resultados adequados à pólis. O diplomata não busca a verdade imutável, mas a construção de possibilidades que garantam a sobrevivência e a prosperidade do Estado.

Como o pianista de jazz, o diplomata observa as circunstâncias e constrói o entendimento até mesmo em situações bastante improváveis, com base em acomodação de interesses e escolhas um tanto incompatíveis. É a arte do possível, sem regras predeterminadas, usando a teoria e a técnica como aliadas, mas não se prendendo a elas apenas. Tocar piano não é só técnica, muito menos em se tratando do piano de jazz. Para se conseguir ser um Thelonious Monk (bom, primeiro seria necessário ter nascido Thelonious Monk... mas aí já é outra história), para se tocar como ele, ou como um Fats Waller, ou um Count Basie, é preciso agir com várias virtudes: conhecimento, sabedoria, coragem, prudência e ousadia.


A diplomacia é arte e, como tal, é inefável; não se presta a ser reduzida em códigos. O piano de jazz tampouco. Como bem explica Hobsbawn, o jazz é o que os músicos individuais fizerem dele, e cada músico tem a sua voz própria. “Têm sido feitas tentativas no sentido de rastrear a evolução e os cruzamentos para maior fertilidade dos estilos instrumentais em formas de diagramas, porém mesmo o mais lúcido dos diagramas parece um mero esquema de fiação para uma instalação elétrica complexa.”1 Não se pode fazer a teoria do piano de jazz; isso não existe porque não existe uma teoria da ação. Não há teoria do piano de jazz como não pode haver teoria da diplomacia: ambos são fazeres, ações. Rex Stewart, trompetista, uma vez disse: “Olha, quando uma banda entra em um estúdio para uma sessão de gravação, os caras não sentam para serem sinceros. Eles tocam apenas. Só isso.” Seria algo como “você faz e pronto”. Ok, mas não adianta só querer sair fazendo, você precisa ter passado muitas horas ali em cima dos pretos e brancos do teclado para poder conhecer o caminho em que está pisando... sem saber o que está fazendo, não sai nem o bife, meu caro.


O piano de jazz, como a diplomacia, trata do efêmero, mutável, precisa de malícia além de técnica e experiência. Ou você realmente acha que Lionel Hampton e Nat King Cole combinam seus teclados em Central Avenue Breakdown só com teoria? As virtudes do pianista e do diplomata: temperar o conhecimento com prudência e coragem. O piano de jazz e a diplomacia são, ambos, exemplos de agir virtuoso. São ofícios exercidos com conhecimento de causa e domínio de meios. Tratam de combinar reflexão e ação. Consistem em fazer com método e conhecimento do porquê das coisas. Art Tatum era um que sabia bem o porquê das coisas e entendia que há um jeito novo para Rosetta a cada dia. Por sinal, você já ouviu Art Tatum tocando Over the Rainbow? A música que em outros pianos ou orquestras chega a ser besta, ganha outra dimensão. Vale a pena.


Na diplomacia e no jazz, a realidade é multifacetada e resiste a ser “engarrafada” em um único conceitoteórico. O real tem a característica de ser fugidio. “It is no disgrace for a man, even a wise man, to learn many things and not to be too rigid”. Como bem disse Guimarães Rosa, até “o vento experimenta / o que irá fazer / com sua liberdade”. É um pouco o que acontece com o fazer diplomático. É um pouco o que acontece quando o pianista senta para tocar jazz. Com bom senso, tanto o diplomata quanto o pianista movem-se dentro do espaço que lhes é dado e experimentam as melhores possibilidades para trabalhar harmoniosamente o momento presente. Da mesma forma que Cosmo de Medice dizia “Bisogna entrare nel male per fare politica”, para tocar jazz ao piano não se pode ter medo de “deturpar” as regras e reagrupar as notas inusitadamente. Ao piano, não se quer o bem, o perfeito. O que se pretende é o interessante, quase como em um exercício de virtù, de mérito, valor, talento, astúcia e energia. Ao piano, existem os limites do teclado, mas com uma enorme gama de possibilidades e, dentro daquelas opções, enfrenta-se a liberdade, sem receita. Com receita, pode-se tocar música clássica. Jazz de verdade envolve conhecimento sensorial; envolve experimentar, brincar, ousar e não fugir dos perigos.

O fazer diplomático, na mesma linha, não pode aprisionar o real com pré-conceitos, deve lidar com as possibilidades. É arte, com seus segredos a serem descobertos. É sabedoria prática, envolvendo o homem como um todo. Em diplomacia, não basta aprender a negociar e sair repetindo o que aprendeu. Deve-se seguir T. S. Eliot e explorar e depois voltar ao ponto de partida, sem jamais parar de explorar. Saber tomar a decisão adequada sobre as coisas tem significado prático, deve-se desenvolver a capacidade de antecipar as conseqüências das escolhas dos agentes políticos. Levar em conta não somente o imediato e o contingente, mas também perceber as conseqüências.


O piano de jazz, como a diplomacia, trata do efêmero, mutável, precisa de malícia além de técnica e experiência. No jazz, o piano não reproduz pura e simplesmente o pensar. O que se disse do estadista: “a fecundidade do inesperado supera grandemente a experiência”, pode-se dizer do pianista de jazz. Não se toca jazz ao piano sem criatividade, adaptabilidade, intuição e faro. Talvez por isso a mãe de Mary Lou Williams não quisesse que filha ficasse apenas nas lições de piano e a levasse a jam sessions para ouvir muitos músicos e diferentes estilos. A Srª. Williams tinha medo de que sua filha ficasse como ela, presa ao papel, incapaz de soltar a criatividade. Mary Lou, de fato, não virou uma concertista, mas “the gigging piano gal from East Liberty” com sua genial interpretação swingada de Margie... muita arte e ciência.


Sabe o Fats Waller? Quem diria... estudou piano clássico e órgão. Quando criança, ele sabia de cor toda a obra de Bach para órgão. Quando cresceu, encantou-se com o stride piano de James P. Johnson e com os improvisos de Willie “the lion” Smith. Hoje Fats é considerado o melhor pianista do estilo stride que já existiu. Não foi para ouvir a perfeição de Bach que Al Capone o mandou seqüestrar... o gângster sabia das coisas, queria mesmo era passar três dias ouvindo Squeeze Me, Numb Fumblin’, You look good to me, Ain’t Misbehavin’ e muito mais no stride piano de Fats. E o pianista tocou. E se divertiu tocando, por três dias, na festa de aniversário do gângster. Agora diz que não é virtuoso?


Se virtuoso é “aquele capaz de compreender e de agir” porque sabe que disso depende a fortuna (ou o resultado), devemos reconhecer que um bom diplomata, assim como um bom pianista de jazz, deve ser um virtuoso. Com swing ou bebop, em qualquer estilo, o diplomata eficiente será um Erroll Garner tocando I’m Confessin’; um Chick Corea em Lisa ou Armando’s Rhumba; um Oscar Peterson em Night and Day ou Satin Doll... e como ação não tem teoria... nem muita sinestesia para explicar o que as mãos de Willie “the lion” Smiths fazem com Morning Air."


1HOBSBAWN, Eric. História Social do Jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 131.


Carolina Shout- Willie The Lion Smith
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