sábado, dezembro 30, 2006
O Guardador de Rebanhos
Impressionante como nos identificamos de forma toda especial com certas coisas. Surpreende-me Alberto Caiero. Como pode Fernando Pessoa criar um heterônimo tão real, tão concreto? Parece que ele realmente tem vida própria, ou algo assim. A simplicidade, a espontaneidade, a veracidade... É uma personalidade única.
Só li um texto hoje, meros 10 minutos, mas fiquei com a sensação de que foi muito mais valioso do que horas a fio de "textos sérios", "filosóficos" no sentido poeira, traça e velhice do termo, enfim, coisas chatas que geralmente se chamam "conhecimento". Parodiando o MacDonald´s do Janho,
"Odeio muito tudo isso!!!"
"O Guardador de Rebanhos II
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
03/08/1914"
Bah, lindo isso
terça-feira, dezembro 26, 2006
Não digas nada?
É madrugada de 25 para 26 de Dezembro de 2006 e, vejam, nasce um Blog! Engraçado, logo agora que o ano está quase ao fim. E logo por esta criatura noturna, que vive implicando com a alienação virtual!
Bem, mas e... porque não?
Muito embora a boca velada diga mais do que as palavras,
e todo o dizer apareça como imagem pálida diante da beleza do ser,
não desejo que o que somos venha à flor das frases e dos dias,
mas que as frases e os dias, trazendo algo da graça do corpo nu, também possam vir à flor, como uma homenagem singela ao viver!
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Não: não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já
É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.
És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.
Fernando Pessoa, 05/06/1931
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